terça-feira, 29 de junho de 2010

DEUS ABRIRÁ OS CAMINHOS

Trecho extraído do livro "Partono i Bastimenti", de Matilde Cocchiaro, Editora Città Nuova, 2009

O Brasil é um país imenso: oito milhões e meio de quilômetros quadrados e 173 milhões de habitantes. Alternam-se áreas enormes recobertas de florestas e cidades super populadas. Há uma população bem diversificada, que foi se formando no curso da sua história. Compreende os indígenas, os portugueses, que no século XVI impuseram a sua colonização, os escravos negros deportados em massa da África, os colonizadores holandeses no Nordeste. A seguir, ondas migratórias dos últimos dois séculos: italianos, espanhóis, alemães... É um País de tradições ricas, que busca seu lugar entre as grandes nações. A sua população, mesmo se etnicamente muito variada, é muito unida. O povo brasileiro é alegre, mesmo em meio às desigualdades sociais.
Partem por mar quatro focolrinos e quatro focolarinas (Ginetta, Violetta Sartori, Fiore Ungaro e Marisa Cerini; Marco Tecilla, Rino Chiaperin, Gianni Busellato, Enzo (Volo) Morandi. (...) Marco assim recorda aquela viagem aventurosa: "Doze dias de navegação... No dia 5 de novembro (1959) chegamos ao porto de Recife".
No Brasil, os problemas sociais são muito graves: após um período de ditadura militar, a democracia está abrindo caminho, mas a economia não consegue estar ao passo e o desemprego atinge níveis muito sérios e, com isso, cresce a pobreza. Ginetta e os focolarinos estão conscientes do que está acontecendo ao redor deles, mas o Ideal pelo qual vivem e se esforçam por transmitir a muitas pessoas, é tão forte que preenche totalmente a vida deles. Certos de que Deus pode guiar o destino da história, vão adiante sem olhar demais pra cá ou pra lá, amando concretamente e partilhando pesos e sofrimentos com aqueles que encontram.
"A nossa é uma revolução - repete Ginetta - mas conduzida com a arma mais potente: o amor que Jesus trouxe à terra".
A pobreza que se vê em toda parte a choca profundamente. Ela escreve: "Com o passar dos dias começo a observar, pelas ruas de Recife, a realidade social que nos circunda. Eu achava que já conhecia, através dos meios de comunicação, a miséria na qual vive grande parte da humanidade, mas constatar diretamente a profundidade do problema, foi muito diferente. Não havia imaginado nunca uma desigualdade social nas dimensões em que encontrei aqui".
De fato, a pobreza e a miséria que se encontram na periferia estão em enorme contraste com a beleza da cidade, conhecida como "a Veneza brasileira".
Aos poucos, os nossos amigos começam a descobrir o drama de milhares e milhares de pessoas de todas as idades que, atraídas pela miragem da "grande cidade", para ali se dirigiram vindos dos vários cantos do país, com a esperança de poder conduzir uma vida mais digna. No entanto, após experiências várias e dolorosas, viram-se em condições totalmente precárias: vivendo nas ruas, embaixo de pontes, em aglomerados e barracas imundas. E o que mais impressiona Ginetta é constatar como tudo, naquela cidade, esteja programado em favor de uma minoria, que pode usufruir de muito mais do que aquilo que é necessário, de um super abundante supérfluo. De um lado estão os proprietários de grandes riquezas que gozam de todas as vantagens, do outro, a maioria anônima, sem direitos, cuja dignidade e valor humano são completamente ignorados.
Um dia, passando diante de uma esplêndida mansão, chamou sua atenção a figura de um homem, magro, sujo, mal vestido, de pés descalços, concentrado em lavar, folha por folha, uma planta tropical magnífica. Pela sua palidez dava para intuir o estado de desnutrição. Há uma diferença abissal entre a casa na qual ele trabalha, espaçosa, cheia de vitrôs, com um jardim magnífico, e a sua barraca sem janelas, numa região menos favorecida da cidade. Com sofrimento, ela pensa: "Patrões que consideram os seus empregados menos importantes do que uma planta... Que contraste!". E escreve: "Ao lado da cidade da opulência, a cidade da miséria, onde reinam desnutrição, cansaço, doenças... Mas o que me faz sofrer mais é constatar a insensibilidade dos ricos diante do sofrimento dos pobres".
Ginetta gostaria de sacudir com força a consciência dos ricos, bater de casa em casa e chamar a atenção para as enormes injustiças. Mas, pergunta-se: "O que vou conseguir desse jeito? Somente gozações e portas fechadas no rosto". Nem ela nem seus amigos vindos da Itália têm possibilidades financeiras ou empregos a oferecer, sentem-se impotentes diante da vastidão do problema. Somente Deus pode transformar os corações dos homens: dos ricos e dos pobres, dos chefes e de todos, e realizar uma autêntica revolução social. "Não um Deus abstrato, relegado ao Céu, mas aquele Deus que tínhamos aprendido a ter vivo entre nós, com o nosso amor recíproco, vivendo as Suas Palavras. Qual, então, pode ser o nosso compromisso? Testemunhá-Lo presente em uma comunidade de pessoas prontas a dar a vida uma pela outra. Então, Ele nos abrirá os caminhos".

quinta-feira, 24 de junho de 2010

A FILHA DO PÓS-GUERRA

Trechos extraídos do livro "Partono i Bastimenti", de Matilde Cocchiaro, Editora Città Nuova, 2009

Ginetta Calliari nasce em Trento no dia 15 de outubro de 1918. O pai, Giovanni, é ferroviário da estação de Lavis. A mãe, Fortunata Furlan, dedica-se aos trabalhos domésticos. Uma família unida, católica, totalmente dedicada à formação humana e cristã das três filhas: Lívia, Luigia, chamada pelo diminutivo Ginetta, e Gisella (Gis), que recebem sólidos princípios morais dos pais.
A mãe, mesmo sendo uma mulher simples, ama a literatura e passa horas lendo poetas e escritores de todos os tempos; e, justamente por esse seu amor pelas coisas belas e grandiosas, aprecia muito a vida e os escritos dos santos. E preocupa-se com a preparação religiosa das filhas.
Todas as noites a família se reúne para rezar o terço, e as meninas ficam de joelhos nas cadeiras de madeira da cozinha. No mês de maio, com a fantasia das crianças, revivem os vários mistérios que a mãe lê; Ginetta, orgulhosa da sua tarefa, entoa a Ave Maria.
Habituei-me logo cedo - escreve - a ter um relacionamento direto com Jesus, com Maria, com as almas do Purgatório que, seguindo o exemplo da minha mãe, eu também queria ajudar a alcançarem rapidamente o Paraíso.
(...) Ginetta ama a liberdade e quer se sentir independente. (...)

Certa vez, o papai lhe pede para ajudá-lo a limpar a tina onde deveria ser amassada a uva para o vinho. Sendo pequena teria entrado facilmente no grande recipiente para lavá-lo melhor na parte interna, mas Ginetta não achava que fosse um trabalho adequado para ela: tem medo de ficar sufocada ali dentro. Assim, sai correndo, seguida inutilmente pelo pai. Pouco depois, porém, arrepende-se ao ver a sua irmãzinha entrar na tina, e realiza serenamente aquele trabalho, com docilidade e atenção, como se estivesse brincando.
(...) Na família a definem de "a filha do pós-guerra" pela sua força, por ser irriquieta e pela rebelião do seu caráter.
(...) Um dia, vendo um pobre velho que carregava com esforço um carrinho, sente tanta compaixão que chega a se comover. Os tios, que estão presentes, comentam: "É só uma criança, mas em relação às pessoas que sofrem ela tem um amor e um respeito mais do que um adulto. Realmente ela tem um grande coração!"
Passeando pelo bosque com o tio, Ginetta encontra, entre as folhas secas, uma cruz de metal que, lustrada cuidadosamente, conserva como um objeto precioso. O tio fica surpreso com esse gesto e com a alegria que aquele crucifixo suscitou nela. Para ela, é como se Jesus mesmo, por meio daquele sinal, quisesse ser encontrado naquela estrada. Fica mais contente ainda, quando uma amiga da família lhe dá de presente um crucifixo maior, que ela conserva como um companheiro inseparável.
(...) Embora sendo ainda muito jovem, Ginetta Começa a refletir sobre sua vita futura. O matrimônio lhe agrada, mas ao mesmo tempo se sente atraída por uma existência usada totalmente para Deus. Quando ainda era adolescente, no dia da festa de São Luiz, ouve falar dele como o "santo da virgindade". Escreve: Uma frase ficou impressa em mim: os virgens, quando entrarão no Paraíso, seguirão o Cordeiro por toda parte. Com a fantasia de menina, imagina-se passeando pelo Reino dos Céus com muitos outros virgens. Mas aquilo que mais me atraía era que esses virgens cantavam "um hino", uma canção maravilhosa, conhecida somente por eles. Essa idéia exerce um fascínio especial em Ginetta que, desde pequena, demonstra possuir uma sensibilidade aguçada pela arte e pela música. Dias depois, escutando a mãe que conversa com uma amiga sobre o futuro das filhas, intervém com seriedade e convicção: Mamãe, eu não me casarei!