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segunda-feira, 16 de agosto de 2010

ENTREVISTA COM GINETTA CALLIARI - REVISTA CIDADE NOVA, AGOSTO 1997 - 1ª parte

Cidade Nova: Qual era seu projeto de vida, e o que mudou após o encontro com Chiara Lubich?

Ginetta Calliari:
Nasci numa família católica e minha mãe nos deu uma formação cristã. Muitas vezes, quando eu era criança, saía de casa sem dizer nada a ninguém e ia à igreja. Ficava lá, com Jesus Eucaristia, a quem chamava de Deus vivo. Mas havia um grande contraste, por exemplo, entre essa minha exigência e o meu comportamento em casa. Eu não ajudava em nada e, por ter uma personalidade muito forte, todos deviam ceder às minhas vontades.
Tinha muitos ideais. Era apaixonada pela arte, pela música, por tudo o que fosse expressão de beleza. Era sedenta de verdade e amava as “minhas” montanhas! Para mim o homem valia pelo que sabia, pelos seus conhecimentos. Dedicava todo o meu tempo livre ao estudo e à leitura.
Quando conheci Chiara, aconteceu uma revolução em mim. Todos esses meus ideais desapareceram como chama de vela diante do sol. Uma grande luz invadiu a minha alma, tomou posse do meu ser. Entendi que aquela luz era Deus. Compreendi profundamente que o meu ideal na era mais a arte, a música, a filosofia, as montanhas... O meu ideal era Deus. E o escolhi como “o tudo” da minha vida. Começou, para mim, uma aventura maravilhosa!
Naquele momento, dei-me conta de que o meu amor por Deus, até então, tinha sido puro sentimentalismo. Descobri que a medida desse amor deveria ser a medida do meu amor para com o próximo. Comecei a amar minha mãe, a ajudá-la a lavar a louça, a varrer a casa, comecei a ajudar as minhas irmãs... Não existia mais o simpático e o antipático, o mais inteligente e o menos inteligente, o saudável e o doente: Jesus estava presente em todos. Ao ler o Evangelho, entendi que é necessário amar os inimigos, fazer o bem a quem nos faz o mal... Entendi que eu poderia chegar a Deus através do irmão.

Cidade Nova: Após alguns anos com Chiara, você veio ao Brasil. Como isso aconteceu?
Ginetta Calliari: Em 1958, duas focolarinas e um focolarino vieram para a América Latina com uma missão: escolher o lugar mais adequado para dar início ao Movimento. Visitaram Recife, São Paulo, Montevidéu e Buenos Aires. Analisando objetivamente, o lugar menos indicado era Recife: um clima quente demais para europeus. Porém, na viagem de volta, problemas técnicos levaram o avião a fazer um pouso de emergência nessa cidade, onde ficaram alguns dias.
Foi a oportunidade para um verdadeiro encontro! Nele, um pequeno grupo de pessoa decidiu ir à Itália com o objetivo de conhecer melhor o Movimento. Não eram ricos, não tinham dinheiro, mas fizeram uma grande comunhão de bens e conseguira viajar! Eram todos de Recife... Isso foi o sinal de que aquela era a cidade mais adequada para tornar-s o berço do Movimento no Brasil e em toda a América Latina.
Pouco tempo depois, Chiara me chamou e me comunicou que eu deveria vir para cá. Não se tratava de uma viagem breve, tratava-se de abrir dois centros do Movimento no novo continente; um masculino e um feminino.
Numa conversa pessoal com Chiara, ela me entregou um crucifixo. Não um crucifixo de madeira, como os dos missionários que partem em missão, mas um crucifixo vivo, Jesus crucificado e abandonado que grita: “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?”.
Vim para o Brasil com a missão de apresentar Jesus crucificado e abandonado ao povo brasileiro. Vim para dar testemunho de que aquele Deus que muitos pensam poder encontrar somente na outra vida está aqui, presente entre nós, dentro de nós, ao nosso lado: podemos falar com ele sempre!

segunda-feira, 31 de maio de 2010

GiNETTA Uma divina aventura

ENTREVISTA CONCEDIDA À REVISTA CIDADE NOVA - EDIÇÃO PORTUGUESA
Lisboa, janeiro/fevereiro de 1998


"Sou a pessoa mais feliz deste mundo, porque Deus é tudo para mim. Não um Deus abstrato, acima das nuvens, mas um Deus concreto, que está ao meu lado».
Com a autoridade de quem teve a coragem de arriscar tudo por um ideal que jamais a ecepcionou, Ginetta fala-nos da sua vida.
Em 1959, um pequeno grupo de focolarinos, entre os quais Ginetta Calliari, desembarcou no porto de Recife. Começou naquele dia uma aventura divina que transformou a vida de milhares de pessoas.
Natural de Trento, Itália, ela assistiu de perto ao nascimento do Movimento dos Focolares, junta¬mente com Chiara Lubich, de quem foi uma das primeiras colaboradoras. Chegou ao Brasil em 1959, integrada no primeiro grupo de focolarinos e focolarinas, cuja missão era difundir a espiritualidade da Unidade. Desde então a "divina aventura" de Ginetta neste país não cessa de apresentar desdobramentos imprevisíveis, mas não surpreendentes para quem sabe que para Deus tudo é possível.

Cidade Nova - Como foi o seu encontro com Chiara Lubich, no início do Movimento?
Ginetta Calliari - Um dia, a minha irmã contou-me um fato que revolucionou toda a minha vida: «Fui à casa de algumas jovens e assisti a uma cena fora do comum. Elas abriram o armário e a cômoda, e tiraram todas as roupas: 'Este casaco e esta saia estão sobrando; esta camisa e esta blusa também...'. Fizeram uma pilha no meio do quarto. Uma delas distribuía as roupas para pessoas necessitadas, seguindo uma lista de nomes que tinha nas mãos».
Escuto perplexa. Sinto o desejo de conhecê-las. Vou procurá-las no pequeno apartamento onde moram. Uma jovem abre a porta com um grande sorriso. Depois, sou apresen¬tada a Chiara.
Ela fala-me sobre a virgindade: quem a vive é como uma flor rara encontrada no meio da floresta, colhida por Deus e plantada, por Ele, no Céu.
O meu coração é invadido por uma alegria profunda. Comunico a Chiara o meu único anseio: Deus.
Ela responde-me: «Ginetta, tu sabes que também eu fiz de Deus o meu Ideal? Sabes que todos os santos optaram por Deus como ideal? Ou escolheram as chagas, ou o sangue, ou a pobreza de Jesus ... Eu O escolhi pregado na cruz, quando, abandona¬do por todos, gritou: ''Meu Deus, Meu Deus, por que Me abandonaste?"».

Qual era o seu projeto de vida, e o que mudou após o encontro com Chiara?
Nasci numa família católica e a minha mãe deu-nos uma formação cristã. Quando eu era criança, saía de casa sem dizer nada a ninguém e ia à igreja. Ficava lá, com Jesus Eucaristia, a quem chamava Deus vivo. Mas havia um grande contraste, por exemplo, entre essa minha exigência e o meu comportamento em casa. Eu não ajudava em nada e, por ter uma personalidade muito forte, todos deviam ceder às minhas vontades.
Tinha muitos ideais: a arte, a música, tudo o que fosse expressão de beleza. Era sedenta de verdade e amava as "minhas" montanhas! Dedicava todo o meu tempo livre ao estudo e à leitura.
Quando conheci Chiara, aconteceu uma revolução em mim. Todos esses meus ideais desapareceram como uma chama de vela diante do Sol.


Após alguns anos com Chiara, veio para o Brasil. Como aconteceu isso?
Em 1958, duas focolarinas e um focolarino vieram para a América Latina com uma missão: escolher o lugar mais adequado para dar início ao Movimento. Visitaram Recife, São Paulo, Montevidéu e Buenos Aires.
Objetivamente, o lugar menos indicado era Recife: um clima quente demais para europeus. Porém, na viagem de volta, problemas técnicos levaram o avião a fazer uma aterragem de emergência nessa cidade, onde ficaram por alguns dias.
Foi a oportunidade para um verdadeiro encontro! Ali, um pequeno grupo de pessoas decidiu ir à Itália com o objetivo de conhecer melhor o Movimento. Não eram ricos, não ti¬nham dinheiro, mas fizeram uma grande comunhão de bens e conseguiram ir! Eram todos de Recife ... Isso foi um sinal de que aquela era a cidade mais adequada para se tornar o berço do Movimento no Brasil e em toda a América Latina.
Pouco tempo depois, Chiara chamou-me e comunicou-me que eu deveria vir para cá. Não se tratava de uma viagem breve. Tratava-se de abrir dois centros do Movimento no novo continente: um masculino e outro feminino.
Numa conversa pessoal com Chiara, ela entregou-me um "crucifixo vivo", Jesus que grita: «Meu Deus, Meu Deus, por que Me abandonaste?".
Vim para o Brasil com a missão de apresentar Jesus crucificado e abandonado ao povo brasileiro. Vim para dar testemunho de que aquele Deus que muitos pensam poder encontrar só na outra vida, está aqui, presente entre nós, dentro de nós, ao nosso lado: podemos falar com Ele sempre!

Como foi a sua adaptação no novo continente?
Não foi preciso muito tempo. O povo nordestino tem uma grande capacidade de sacrifício e sabe deixar tudo por um grande Ideal. Fiquei deslumbrada também diante da natureza exuberante e rica.
Pelas ruas de Recife, deparei com a realidade social que nos circundava. Fiquei perplexa! Antes, eu não sabia o que era a fome, a sede, a miséria, a humilhação, a opressão, a exploração ... Foi muito duro para mim.
Jesus, presente na comunidade, que pode levar ricos e pobres a repartirem o muito ou o pouco têm, demonstra que, para Ele, nada é impossível, e que o Evangelho é um livro para todos.

Este novo estilo de vida evangélica encontrou logo a adesão do povo brasileiro?
Encontrei uma grande abertura e uma generosidade incrível.
A nossa primeira casa estava quase vazia, tínhamos apenas alguns colchões de palha, um armário velho e um fogareiro a petróleo. Não tínhamos cadeiras, sentávamo-nos no chão. Mas nunca sentimos falta de nada.
Começámos a conhecer as pessoas. Após três semanas, já havia uma pequena comunidade de 17 pessoas - jovens, estudantes, uma viúva, um religioso, um sacerdote, uma religiosa, casais ...
Uma pessoa perguntou-me o que tinha vindo fazer no Brasil: abrir escolas, hospitais? Eu apresentei-lhes o crucifixo vivo, e também eles quiseram fazer de Jesus crucificado e abandonado o ideal das suas vidas. Todos escreveram a Chiara. Ao ler as cartas, ela disse: «Agora posso dizer que o Movimento chegou ao Brasil".

Após o período no Recife, foi para São Paulo. Como foi o início nesta cidade imensa?
Como sempre, não tínhamos nada, nem sequer uma casa.
Tínhamos o endereço de um sacerdote e fomos procurá-lo para pedir a sua ajuda. Ele encontrou uma senhora disposta a receber-nos na sua casa. Essa pessoa cedeu-nos o seu quarto e passou a dormir na sala. Passados alguns dias, talvez com receio de que nos acomodássemos, pediu que fôssemos para outro lugar que ela própria tinha encontrado.
No quarto havia apenas uma cama de lona. Café com leite era a única coisa que conseguíamos tomar com o dinheiro que possuíamos.
Em 1966, Chiara visitou Recife e passou algumas horas em São Paulo. Naquela ocasião, observando a imensidão da metrópole, e tendo diante de si apenas um pequeno grupo de focolarinas e focolarinos, deu-nos uma Palavra de Vida: «Não temais, pequeno rebanho, porque foi do agrado do Pai dar-vos o Reino". A partir daquele momento, o Movimento nas regiões Sul e Sudeste desenvolveu-se rapidamente. Chegou ao Rio de Janeiro, a Brasília, a Belo Horizonte, a Curitiba e a Porto Alegre.


Voltando àquela mudança ocorrida no seu projeto de vida, hoje diria que vale a pena deixar tudo para seguir Jesus? Sim.
Sou a pessoa mais feliz deste mundo, porque Deus é tudo para mim. Não um Deus abstrato, acima das nuvens, mas um Deus concreto, que está ao meu lado. Eu acredito na Sua Palavra. O Evangelho é extraordinário, é uma descoberta maravilhosa!