No sacrário ele não nos pedia nada, mas no irmão, tudo
À falta do leite se juntava uma enorme
carestia de carne, e a carne chegava a toneladas e toneladas... A toneladas
chegava peixe em conserva, farinha, batatas, feijão, ervilha e frutas.
“Procurai o
meu reino e o resto vos será dado em acréscimo” [cf. Mt 6,33].
E nós
procurávamos incansavelmente o Seu reino, e o acréscimo vinha, para nós e para
todos os próximos que a vontade de Deus colocava ao nosso lado. Da mesma forma
como as coisas chegavam, eram dadas. Nada deveria ficar parado. Eram caixas que
entravam e caixas que saíam. De onde vinham estas caixas? De quem dava o
supérfluo. Para onde ia o supérfluo? Para quem não tinha o necessário.
Andava-se pela cidade de Trento, de casa pobre em casa pobre, com sacolas
cheias de alimentos, pacotes de roupas, caixas de sapatos, malas cheias de
lenha.
Quando as
forças diminuíam, a Providência ia aumentando. Os carrinhos substituíam os
nossos braços. O verbo “cansar-se” não se conhecia e muito pouco o verbo
“dormir”. O ronco dos aviões de dia e o ronco do Pippo[2], à
noite, fazia-nos entender a brevidade do tempo, o valor da vida. Tínhamos a
sensação, aliás, a certeza de não ter amado a Deus e, então, queríamos nos
dirigir a todo próximo para demonstrar-lhe o nosso amor. No sacrário, ele não
nos pedia nada, mas nos seus irmãos, tudo.
Mas Deus não
se deixa vencer em generosidade. Eu me lembro uma vez - para dizer que todo o
começo é sempre duro -, alguém nos trouxe um pedacinho de carne e a minha
companheira estava batendo essa carne, que era como um bife, para uma de nós
que estava bem doente. As outras podiam comer pão. E ela foi na janela bater
esta carne. Aconteceu que a carne, caiu lá em baixo. Imaginem! Esta minha
companheira quando viu a carne cair da janela - havia quatro andares – e parar
lá no fundo, no fundo, no barro, ficou olhando a carne e depois viu um gato que
estava perto. Então pensou: “Como é que eu faço para salvar aquela carne? Estou
no último andar, três andares para chegar até ali, o gato vai comer”.
Então, da
janela, ela começou a fazer: “xô, xô”, para espantar o gato, depois ela chamou
uma menina: “Vai pegar aquela carne que eu fico espantando o gato”. E ela
conseguiu, da janela do quarto andar, espantar o gato enquanto a menina foi
procurar a carne, voltou com a carne e conseguiu dar para a que estava doente.
É assim a
vida, tudo começa assim. Quantas coisas nós poderíamos contar!...
A casa onde
Chiara e algumas das suas primeiras companheiras moravam, ainda em 1944, era um
vai e vem de pessoas para dar de comer espiritualmente e materialmente. Vinham
os famintos, os abandonados, os fracos, os aflitos, os pecadores. Vinham todos,
sem distinção.
“Vinde a mim
vós todos que estais fatigados e cansados e eu vos restaurarei” [cf. Mt 11,28].
Esta era a voz que emanava do seu coração, era a Sua voz. E os famintos saíam
saciados, os nus cobertos, os aflitos consolados, os fracos fortalecidos, os
pecadores saíam convertidos, os pobres enriquecidos, mais do que de dinheiro,
enriquecidos de DEUS!!!
Em meio à
pobreza da guerra, pediam tudo a Chiara (...). Eu me lembro que quando eu
encontrei as suas companheiras, fiquei muito impressionada, voltei logo para
minha casa e procurei logo tirar farinha das gavetas da minha casa, procurei
batatas, procurei um pouco de verdura e fui entregar a Chiara. Mas depois eu vi
que não dava certo, porque era pouco demais. E eu me lembro que entrei numa
igreja e pedi a Deus um trabalho para poder ajudar Chiara e suas primeiras
companheiras com o meu ordenado. Eu pedi e não encontrava, pedi outra vez e não
encontrava e estava quase desanimando... No entanto precisa acreditar e depois
encontrei um trabalho bom, assim eu
consegui ajudar Chiara.
Naquele
trabalho, de vez em quando, havia alguém que nos dava um pouco de leite em pó,
um pouco de carne em lata, e eu me lembro que eu ia, eu corria pela rua para
chegar até a casa de Chiara. Lembro a festa que Chiara fazia quando nós
entrávamos com a Providência.
Lembro-me que
uma vez, eu fui e entreguei a Chiara um pouco de sal, num papel. Quando Chiara
viu aquele sal, quase chorou. No dia seguinte me contou: “Você sabe Ginetta,
ontem quando você veio eu tinha vontade de dizer: “Ginetta, a nós falta o sal,
mas eu não tive a coragem, mas Jesus teve e disse a você que a nós faltava o sal e você veio com
o sal”.
Uma outra vez,
tinha chegado até Chiara a notícia de duas pessoas que iam se casar. Ela queria
dar alguma coisa de presente, mas não tinha nada. Eu tinha uma bolsa que achava
linda, mas talvez estava apegada àquela bolsa, talvez ela podia se tornar o meu
tudo no lugar de Deus e, assim, fui
entregar essa bolsa a Chiara. Chiara fez uma festa: “Mas você sabe
Ginetta, eu pedi a Jesus de me mandar um
presente para aquela jovem e você veio com este presente, eu acho que ela vai
gostar”.
Uma outra vez
ainda, alguém tinha me dado de presente umas roupinhas de recém-nascido.
Pensei: “Vou levar para Chiara”. Fui e ofereci este presentinho, e Chiara feliz
me disse: “Sabe, um pouco antes eu fui à igreja pedir uma roupinha para uma
criança que vai nascer e cuja mãe está preocupada porque não sabe como vestir o
seu filho”.
Eu me lembro
que uma vez, no focolare da Praça dos Capuchinhos, tínhamos um ovo só, chegou
um pobre, pediu um ovo e a Giosi[3]
não queria dar, porque era o único. Mas uma de nós se aproximou dela e disse:
“É Jesus que está pedindo um ovo”. Então ela deu. À tardezinha, ao pôr do sol,
veio uma pessoa trazendo três ovos. Não dá para imaginar a alegria por aqueles
três ovos. Mas, se ela não tivesse dado aquele ovo teria ficado com um, depois
de ter dado aquele ovo, vieram três!
Eu contei a
história do ovo, mas eu me lembro que uma outra vez veio uma família pedir
alguma coisa, porque não sabia como viver, tiramos tudo o que tínhamos,
comprometendo a vida das focolarinas, mas depois a Providência veio, a
Providência existe, existe. Podemos acreditar em Deus e pedir a Deus.
No início,
logo que conheci Chiara, não estava acostumada a visitar os velhinhos, os
pobres, os doentes, as crianças abandonadas... O sofrimento me impressionava
muito. Mas depois, lembro-me que fui visitar uma jovem que estava com a boca
sangrando, depois uma outra, aproximei-me até de um moribundo, no hospital.
Aquele rosto me lembrava o rosto de Jesus na cruz e, por amor dele eu superava
o sentimento de timidez, de repugnância.
Uma vez Chiara
me disse: “Ginetta, ontem, veio uma velhinha me dizer que está perdendo a
vista; perdeu o marido e todo mundo a abandonou, está sozinha. Enquanto ela
falava eu via nela Jesus Abandonado mesmo. Gostaria muito de ajudá-la, mas
pensei que você poderia fazer a minha parte, portanto confio a você essa
velhinha. Lembre-se Ginetta, é Jesus Abandonado”.
Eu ia sempre
com Gis, minha irmã, visitar essa velhinha, mas nem sempre ela estava em casa.
Então pensamos em fazer como Santa Catarina de Sena. Chiara tinha nos contado
que Santa Catarina ia visitar os pobres de manhã cedo. Mesmo encontrando a
porta dos pobres fechada, ela abria, entrava e colocava a comida ali para eles,
depois saía sem que ninguém percebesse. Assim, preparávamos o almoço, ou o jantar,
íamos ao quarto dela, abríamos a porta, colocávamos a comida e depois saíamos.
Uma vez, percebendo que o quarto estava um pouco sujo começamos a fazer
limpeza. Ela tinha um grande crucifixo pendurado na parede; tiramos, lavamos e
depois saímos com o coração cheio de alegria porque tínhamos a impressão de ter
estado com ele, Jesus.
[1] Trata-se
de uma força de expressão, provavelmente tratava-se de quilos; Ginetta quer
enfatizar a abundância de tudo o que chegava.
[2]
Avião usado durante a guerra para causar medo às pessoas, sobrevoando as
cidades durante a noite.
[3] Giosi
Guella, uma das primeiras companheiras de Chiara. Faleceu aos 18 de maio de
1985.
Um comentário:
Jesus abandonado!nunca havia ouvido esta descrição com tamanha sabedoria, Obrigada!!!!descobri que encontro muito Jesus abandonado!
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