terça-feira, 30 de outubro de 2012

Não podemos ver Deus, mas o “irmão” sim



Experiência de Ginetta Calliari

Um professor de religião tinha nos contado (e fiquei muito impressionada com o fato) que certa vez, indo a uma livraria, o proprietário havia lhe indicado, entre os vários volumes à venda, um todo amarelado e cheio de pó, dizendo: “Está vendo este livro? Não consigo vendê-lo: é o Evangelho, mas ninguém o procura”. 
Para nós, ao invés, não havia nada mais belo e interessante do que esse livro que dava sentido à nossa vida e diante do qual todos os outros desapareciam.  Enquanto, sob o desencadear da guerra, todas as filosofias e as ideologias humanas desvaneciam, quando todo ideal de beleza e harmonia caia, destruído pelas bombas, dentro de nós a Palavra de Deus adquiria forma e consistência.  Cada frase do Evangelho parecia tornar-se de fogo e ia se imprimindo em nossas almas, transformando-as.
“Amarás o Senhor teu Deus com todo o coração...” (cf. Deut 6,5), o primeiro e maior dos mandamentos, foi uma das primeiras frases que vieram em relevo.  Eu conhecia o Evangelho quase de cor e já tinha ouvido aquelas palavras inúmeras vezes...  porém aquele “todo”, quem havia realmente entendido?  Eu mesma, antes de conhecer o Ideal da unidade, tinha certeza que amava Deus, mas não percebia que o meu coração se deixava cativar também por outros ídolos.  Eu pensava que havia dado tudo a Ele porque passava muitas horas dentro da igreja, mas depois, saindo, Ele permanecia como uma das muitas coisas importantes do meu dia.  Eu sentia que Ele estava sempre ao meu lado, mas ao mesmo tempo me dedicava a mil outras coisas.
“Quem a Deus tudo não dá, nada dá”; para nos fazer entender bem isso, uma vez Chiara pegou uma bolsa dizendo para uma de nós: “Pegue-a!”, mas quando ela foi fazê-lo não conseguia, pois Chiara continuava a segurá-la em um pedacinho da alça.  Deus não podia pegar aquilo que dizíamos que estávamos lhe oferecendo se ainda segurávamos isso para nós em algum ponto.
Desde o primeiro encontro com Chiara aconteceu uma verdadeira conversão dentro de mim, porque finalmente doei a Deus todo o coração, toda a mente, todas as forças.  Os outros valores se ordenaram de conseqüência, conforme as exigências da caridade que dava significado aos atos que eu realizava durante o dia, convergindo todos para um único objetivo: Deus!
Antes, eu ia à igreja porque eu gostava, conversava com Jesus porque eu gostava, porém não tinha um relacionamento com os outros. O meu relacionamento era entre eu e Jesus na cruz. Depois entendi “aquele que não ama seu irmão, a quem vê, é incapaz de amar a Deus, a quem não vê” (cf. I Jô 4,20), que estava iludida, que a medida do meu amor por ele deveria ser o amor que eu tinha pelo próximo. Como eu não amava o próximo, nem sequer amava Deus.
Eu tinha um caráter forte, rebelde, contrário a tudo aquilo que podia prender a minha intocável liberdade e em geral dominava todas as situações. Todos deviam fazer o que eu queria e, assim, às vezes faltava com a caridade. Mas quando isso acontecia sentia um mal estar, algo me incomodava. E o que eu fazia? Saía de casa, entrava numa igreja, me colocava no primeiro banco, como o fariseu, e pedia desculpas a Jesus pela falta de caridade que eu tinha cometido contra a minha irmã, ou um amigo, ou um vizinho, ou um professor, ou um colega. E saía da igreja tranqüila.
Uma vez eu estava em casa com minha irmã e faltei de caridade para com ela. Perdi a paz, então fui à igreja para pedir desculpas a Jesus na Eucaristia. Mas, daquela vez eu não tive coragem de me colocar no primeiro banco; fiquei no fundo e comecei a pedir desculpas a Jesus, porém as palavras não saíam... A consciência me falava - mas era Jesus na Eucaristia que me dizia através da consciência: “Escuta Ginetta, você faltou de caridade, não é? Mas aquela palavra ‘desculpa’ que você veio me dizer, não é a mim que deve dirigir; é a mim na sua irmã. Você faltou de caridade não tanto para comigo diretamente, mas a mim na sua irmã”.
Naquele instante, eu vi iluminarem-se as palavras do Evangelho, que dizem “Se estás, portanto, para fazer a tua oferta diante do altar e te lembrares de que teu irmão tem alguma coisa contra ti, deixa lá a tua oferta diante do altar e vai primeiro reconciliar-te com teu irmão; só então vem fazer a tua oferta...” (cf. Mt 5,23).
Eu saí imediatamente. Entrei em casa e mesmo se por causa da soberba era um esforço enorme, uma humilhação para mim pedir desculpas e reconhecer que tinha errado, pedi desculpas.
Voltou a paz.
É uma experiência que continua a me acompanhar de uma forma sempre mais nova, sempre mais profunda. É a Palavra de Deus!


Baseado nos livros:

-        FERREIRA RIBEIRO, Sandra, org. Ginetta. Uma vida pelo Ideal da Unidade. São Paulo, Cidade Nova, 2006

-        FERREIRA RIBEIRO, Sandra, org. Ginetta. Fatos que ainda não contei. São Paulo, Cidade Nova, 2011

Um comentário:

Érika Miskolci disse...

Quando escolhemos Deus como nosso Único Ideal, estamos mais do que nunca diante de nós mesmos!
É como estar em um quarto velho, cheio de pó e teias de aranha... Ao nos aproximar Da Luz, nossos defeitos se evidenciam!
Contudo, escolher Deus nos dá a possibilidade de não parar nos nossos limites e, ao invés, colocar tudo na Sua infinita Misericórdia. Isso nos dá a possibilidade de entrar num quarto novo, lindo, iluminado, chamado momento presente! Dessa forma, deixamos pra lá o que não somos para nos lançar no amor, no agora e, assim, nos renovamos como pessoas só porque amamos a Deus!
Obrigada Ginetta, pelo Ideal maravilhoso que você doou a mim!
Sempre Uno,
Sua Cari (Caraguatatuba/SP)